Transtorno do Espectro Autista (TEA):  diagnóstico e tratamento do autismo

Aspectos no neurodesenvolvimento da criança podem ser percebidos nos primeiros meses de vida, sendo o diagnóstico estabelecido na primeira infância, entre 2 e 3 anos de idade 

25 de agosto de 2023 - às 14h59 (atualizado em 28/11/2023, às 17h12)

menino segura almofada com símbolo do autismo - coração colorido imita quebra-cabeça
Crédito:

Envato

Escrito por

Dayana Bonetto

Redatora Let's Move 360

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica do desenvolvimento que afeta o comportamento, a comunicação, a interação social e os padrões de interesses e atividades de uma pessoa. Segundo Thiago Bezerril, psiquiatra com foco de atuação em Autismo e Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), o autismo está relacionado à forma como o cérebro se forma. “Desde os primórdios, ainda dentro do útero da mãe”, explica.

 

Aspectos no neurodesenvolvimento da criança podem ser percebidos nos primeiros meses de vida, sendo o diagnóstico estabelecido na primeira infância, entre 2 e 3 anos. Nos primeiros seis meses de vida, o modo peculiar como a criança não busca o cuidador com os olhos, a dificuldade de reconhecer a voz dos familiares e de pedir o que deseja já podem ser os primeiros sinais de alerta.  Dos 7 aos 12 meses, não emitir balbucios e evitar interações com as pessoas ao seu redor também é um aviso. Por fim, se até completar 2 anos o bebê ainda não falar as primeiras palavras e nem conseguir compreender situações fora da rotina, é importante procurar um especialista. 

 

De acordo com Bezerril, o diagnóstico do autismo é clínico. “Esse é um princípio que se aplica a todos os transtornos psiquiátricos. O diagnóstico clínico é o nome que se dá para diferenciar de um diagnóstico por exames complementares. Ainda não existem os chamados marcadores biológicos do autismo, ou seja, exame de sangue ou de imagem que indique o transtorno”, ressalta.

 

 

Bezerril explica que durante o diagnóstico clínico acontece uma entrevista como processo de avaliação e observação, em que o profissional tenta buscar características de diagnóstico que preencham os critérios que possam definir a análise. “Nessa fase de avaliação clínica, pode ser muito útil o uso de ferramentas, de instrumentos, espécies de testes, de checklists, que quantificam os sintomas. Ajudam ali a definir se o sintoma, aquele sinal, está ou não presente”. Ele completa: “Para realizar todas essas etapas para se ter ou não um diagnóstico do autismo, é importante contar com diversos profissionais, uma equipe multidisciplinar, justamente para fazer essas diferentes observações. No entanto, a definição final do diagnóstico é um ato médico. Normalmente, são neuropediatras ou psiquiatras que trabalham com infância e adolescência”, indica.

 

Base do diagnóstico do autismo 

 

Segundo Bezerril, a base do diagnóstico do autismo é comportamental, ou seja, é necessário estimular, facilitar e apoiar o paciente para que ele adquira habilidade para lidar com suas dificuldades. “Em cada faixa etária, há estratégias diferentes. Na infância, envolve treinamento, tratamento mais intensivo, porque na criança, quando se faz o diagnóstico do autismo nos primeiros anos, ele está relacionado a um atraso no desenvolvimento. Aquela criança não desenvolveu as habilidades necessárias para funcionar adequadamente, incluindo comunicação, fala, linguagem e regulação emocional, entre outras”, esclarece. 

Bezerril ressalta que, por isso, é importante envolver uma equipe multidisciplinar. “São essenciais para realizar esses treinamentos, incluindo fonoaudiólogos para trabalhar a linguagem, terapeutas ocupacionais para abordar questões sensoriais e analistas do comportamento para desenvolver habilidades de autonomia e regulação comportamental, entre outras”, indica. 

 

Segundo Bezerril, o tratamento do autismo, quando bem feito, com uma equipe multidisciplinar, funciona muito bem, e os resultados são muito bons. No entanto, ele alerta que a idade de início faz muita diferença nesse desfecho. “Quanto mais cedo a criança inicia o tratamento, melhores são os resultados. Não é à toa que falamos muito sobre diagnóstico precoce. É muito importante que o diagnóstico seja feito o mais cedo possível, para que a intervenção comece mais cedo e proporcione melhores resultados”, destaca. 

 

Ainda sobre a base do diagnóstico do autismo ter estratégias diferentes para cada faixa etária, Bezerril pontua que na adolescência e na idade adulta, muitas vezes não é utilizada uma equipe multidisciplinar. “Principalmente se for um autismo nível de Suporte 1, um autismo mais leve, o fonoaudiólogo ou o terapeuta ocupacional pode ter um papel menor”, esclarece. Nesse caso, ele explica que a abordagem envolve mais uma psicoterapia de abordagem comportamental, e a carga horária costuma ser menor.

 

No entanto, Bezerril ressalta que adolescentes e adultos diagnosticados apenas nessa fase frequentemente têm comorbidades psiquiátricas, ou seja, desenvolvem outros problemas psiquiátricos, muitas vezes decorrentes de um autismo não tratado ou não bem conduzido e, portanto, precisam de medicamentos. “A função dos medicamentos psiquiátricos no autismo é principalmente tratar comorbidades quando presentes. Quando não estão presentes, por exemplo, em uma criança pequena em que é identificado apenas o autismo, eles podem ser úteis como adjuvantes para controlar desregulações comportamentais mais críticas, como problemas de sono, mas é um uso pontual”.

 

Bezerril destaca que ainda não existe uma medicação que trata o núcleo do autismo, como problemas de comunicação social, ou seja, que faça a pessoa se comunicar melhor e desenvolver habilidades de comunicação apenas por meio da medicação. Portanto, as habilidades que faltam no indivíduo com autismo precisam ser treinadas e adquiridas dentro de um processo terapêutico mais amplo.

 

Diagnóstico precoce: corrida contra o relógio

 

Quando a criança é diagnosticada nos primeiros meses de vida, as chances de ela se desenvolver com mais qualidade e ganhar certa independência no futuro são realmente significativas. A importância da descoberta antecipada tem relação com o fato de o cérebro ser dotado de plasticidade, o que significa dizer que ele é capaz de se adaptar ao ambiente, de reconhecer e formar novas conexões em resposta à qualidade e à quantidade de estímulos comunicativos ensinados.

 

Quanto mais cedo ocorrer essa percepção, a suspeita e o diagnóstico de que o desenvolvimento não acontece de forma adequada, mais efetivos serão os tratamentos e terapias. Essas ações fazem efeito também em casos nos quais o transtorno é descoberto mais tardiamente, porém o grau do autismo e a idade avançada influenciam no tratamento. 

A descoberta do TEA é, antes de mais nada, uma corrida contra o relógio.

 

A qual profissional recorrer: critérios de diagnóstico

 

Frente ao atraso da fala da criança, por exemplo, os pais primeiro buscam recomendações do pediatra, que, normalmente, sugere colocar o filho em escolas ou berçários para estimular a interação com outras crianças. Quando essas medidas não alcançam os resultados esperados, geralmente a família procura profissionais de outras especialidades médicas. O processo se torna cansativo tanto para a família quanto para o portador, e a ausência de um diagnóstico fechado pode atrasar o tratamento precoce, fundamental para o desenvolvimento da criança.

 

Quando o diagnóstico do autismo é feito pelo psiquiatra, ele é precisamente clínico, mas só ocorre após vários procedimentos testados por outros especialistas. Por meio de observação direta do comportamento e de uma entrevista com os pais ou responsáveis, o profissional se respalda num método de exclusão de inúmeras patologias clínicas, neurológicas e genéticas para chegar a uma conclusão segura.

 

Assim que os pais chegam ao consultório, o médico coleta dados que envolvem a história de vida do bebê ou da criança. Os critérios de diagnóstico do TEA seguem as determinações do DSM-5, que estão baseadas em aspectos como os déficits persistentes na comunicação social e nas interações, padrões restritos e repetitivos de comportamento e apego excessivo à rotina.

 

Sinais e sintomas mais evidentes que estiveram presentes durante cada fase do desenvolvimento neuropsicomotor, ou seja, do sistema nervoso, além de comportamentos negativos e disfuncionais, também são avaliados. Todos esses procedimentos apontam a presença ou não de transtorno na fala, linguagem e comunicação, além de comprometimento e desorientação nos órgãos dos sentidos. É observado também o relato detalhado dos pais sobre a percepção das ideias e pensamentos, aspectos e habilidades da sociabilidade que prejudicam a interação interpessoal e brincadeiras entre os amigos. Os sinais e sintomas da condição física geral e comportamento hiperativo ou letárgico, repetitivos e estereotipados até disfuncionais e negativos, também têm importantes diferenciais no processo de sentença do diagnóstico.

 

A segunda etapa para o diagnóstico requer exclusão de patologias – doenças ou alterações no organismo – e disfunções da visão, audição, erros inatos do metabolismo, comprometimento do processamento auditivo central, avaliação neurológica, exames de ressonância nuclear magnética e eletroencefalograma com mapeamento cerebral – imagens que analisam o tecido do cérebro e Eletroencefalograma (EEG), que verifica anormalidades do funcionamento elétrico das células nervosas, cariótipo normal – checagem e observação do cariótipo, que é o conjunto de cromossomos presentes em um indivíduo.

 

Uma equipe multidisciplinar é essencial para um diagnóstico seguro. Os principais profissionais envolvidos são fonoaudiólogo, psicólogo, oftalmologista, otorrinolaringologista, neuropediatra, neurologista e geneticista. Somente após as avaliações desses especialistas é que o psiquiatra entra em ação. É importante que os pais levem todos os exames na primeira consulta. Após a confirmação do diagnóstico de TEA, o próximo passo é determinar o nível de gravidade do quadro – leve, moderado a severo. 

 

Do ponto de vista ético e jurídico, o psiquiatra tem a responsabilidade profissional de produzir um relatório com o diagnóstico, que possibilitará o acesso à assistência especializada para o tratamento. O laudo garante à criança os direitos previstos em lei e permite que ela frequente uma escola regular, de educação inclusiva ou escola especial.  

 

Fatores de risco para o TEA

 

Bezerril explica que o principal motivo para o autismo existir é o genético. “Nosso material genético determina todo o formato e funcionamento do corpo, sendo o plano de arquitetura básico dele e dos nossos órgãos. Isso afeta, obviamente, também o cérebro, que é um dos órgãos. A pessoa, enquanto se forma dentro do útero da mãe, herda esse material genético primordial, parte do pai, parte da mãe, o qual vai definir seu funcionamento. No autismo, já existe uma programação. Por isso, é chamado de um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, da forma como esse sistema nervoso se desenvolve, essa determinação já está inscrita no material genético dele. Portanto, o maior fator de risco para o autismo é genético, ou seja, ter parentes próximos, especialmente pai, mãe e irmãos, que também tenham autismo. Não à toa, observamos esse padrão familiar muito marcado, famílias, gerações, de forma muito consistente, expressando o autismo, o transtorno do espectro do autismo”, ressalta.

 

De acordo com Bezerril, uma revisão recente que reuniu dados de diferentes países, chegou à seguinte conclusão: “80% das causas do autismo são de origem genética herdada, ou seja, uma herança direta de pai e mãe. Cerca de 19% das causas são consideradas genéticas não herdadas, o que significa que são genes novos que a pessoa herdou, que não tinham relação direta com o pai ou a mãe, mas têm a ver com o ambiente dentro do útero. Portanto, isso ainda é genético. Apenas 1% das causas ambientais estão mais relacionadas a questões de parto, como a prematuridade, que é um fator de risco para o autismo, assim como para outros problemas de saúde mental, e também o uso de algumas drogas durante a gravidez ou alguns medicamentos. Um exemplo bem estabelecido é o uso de maconha pela gestante ou o uso de medicamento para transtorno bipolar, epilepsia, entre outras condições”, explica. 

 

Dentro desse padrão genético, Bezerril destaca que existem outros transtornos do neurodesenvolvimento que podem indicar risco para o autismo, uma vez que alguns genes são compartilhados entre diferentes transtornos. “O que é clássico nesse princípio é o TDAH, um transtorno do neurodesenvolvimento que compartilha alguns genes com o autismo. Portanto, ter um parente de primeiro grau com TDAH aumenta o risco de ter autismo e vice-versa. Esse padrão de herança familiar é algo muito marcante nesse transtorno. Inclusive, para famílias com muitos casos de autismo, pode ser útil realizar o que é chamado de aconselhamento genético, que visa determinar o nível de risco de ter um filho com autismo e tomar a melhor decisão dentro de um planejamento de gravidez”, pontua.

 

Tratamentos: cada criança precisa ser analisada individualmente

 


Há várias opções de tratamentos, mas cada criança precisa ser analisada individualmente. As escalas de avaliação para o diagnóstico oferecem consistência e especificidade para os pais e familiares. De acordo com o quadro clínico, poderá ser necessário o uso de vitaminas, suplementos e medicamentos.

 

É fundamental que os pais preencham questionários de escalas mensais. Eles fornecem dados para cada área de comprometimento. O acompanhamento periódico com o psiquiatra é importante para monitorar a adaptação a cada tratamento, já que o autismo não tem cura. 

 

O tratamento diminui as limitações e prejuízos, melhorando a qualidade de vida para a criança e para aqueles que vivem ao lado dela. Para alcançar bons resultados, é preciso de apoio multidisciplinar.

 

O psiquiatra, por meio de ajustes necessários, tenta proporcionar o bem-estar físico, a saúde mental e emocional. Ele será o responsável por criar uma ponte para que os outros profissionais consigam realizar o seu trabalho. O fonoaudiólogo estabelece a terapia da fala. O terapeuta ocupacional vai avaliar o tipo de distúrbio sensorial de forma específica e estimular a integração sensorial da criança com autismo dentro de suas limitações. Uma vez que a criança consiga avançar no processo da fala, ainda que seja aquela repetida e sem sentido, o psicopedagogo e o psicólogo começam a ter espaço para iniciar o processo de alfabetização, ajustamento comportamental e controle emocional frente às frustrações sentidas pela criança. A carga das palavras negativas sobre uma criança é sempre pesada, mas no autista elas empregam uma força ainda maior, pois eles têm tendência a querer ter suas vontades supridas de forma imediata – seja pela urgência devido a uma sobrecarga sensorial, seja por causa dos tênues limites do seu saber. 

 

No entanto, é importante esclarecer que essa não é uma condição definitiva e pode ser trabalhada e suavizada. Este é o desafio do psicólogo. Sua função é fazer com que as situações possam fluir de maneira diferente na relação entre pais e filhos. 

 

 

 

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